
ISS nas agências de publicidade: a correta delimitação da base de cálculo
A discussão sobre a incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) no setor de publicidade e propaganda tem ganhado relevância em todo o país. Dúvidas persistem quanto à definição da base de cálculo do tributo: afinal, o ISS deve incidir sobre o valor global das faturas emitidas pelas agências ou apenas sobre a receita que efetivamente constitui remuneração dessas empresas?
Com o objetivo de esclarecer a matéria elaboramos o presente “artigo”, demonstrando o entendimento já consolidado no âmbito normativo e jurisprudencial: o ISS deve incidir exclusivamente sobre a receita própria das agências — honorários, comissões e fees —, estando excluídos os valores repassados a terceiros, como fornecedores de produção e veículos de comunicação, como fundamentado a seguir.
A atividade das agências de publicidade não se confunde com a execução direta de todos os serviços necessários às campanhas. Ao contrário, a legislação setorial — notadamente a Lei nº 4.680/65 , o Decreto nº 57.690/66 e a Lei nº 12.232/2010 — consagra o papel da agência como mandatária do cliente , especialista em planejar, conceber e executar a propaganda, contratando, quando necessário, fornecedores externos.
Esse desenho normativo já indica que a remuneração da agência não se confunde com o valor global da campanha, mas se limita à sua receita própria, proveniente de honorários, comissões e fees.
Sob a ótica tributária, a Lei Complementar nº 116/2003 , que disciplina nacionalmente o ISS, estabelece que a base de cálculo é o “preço do serviço”. O conceito deve ser interpretado como a efetiva receita da agência, e não como os valores que, embora transitando em sua contabilidade, pertencem a terceiros e são apenas repassados em nome do cliente.
Repasses e a vedação ao bis in idem
Na prática, as agências emitem notas fiscais que distinguem claramente dois montantes:
1. a receita própria , que representa sua remuneração pelos serviços de criação, planejamento e intermediação;
2. os valores de terceiros , destinados a veículos de comunicação, fornecedores de produção e prestadores especializados.
Esses terceiros já são, por sua vez, contribuintes do ISS em razão dos serviços prestados. Incluir tais repasses na base de cálculo das agências resultaria em bitributação (bis in idem), situação vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Além disso, essa prática violaria princípios constitucionais caros ao sistema tributário: a legalidade (CF/88, art. 150, I), a capacidade contributiva (CF/88, art. 145, §1º) e a vedação ao confisco (CF/88, art. 150, IV). A segregação, portanto, não constitui privilégio fiscal, mas simples decorrência da correta interpretação da natureza da operação.
Jurisprudência do STJ
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é firme no sentido de que o ISS deve incidir apenas sobre o preço do serviço efetivamente prestado, excluídos valores que representam meros reembolsos. Em precedente paradigmático, a Corte definiu que não podem integrar a base de cálculo importâncias que não remuneram o prestador, mas apenas transitam em sua contabilidade para repasse a terceiros.
Tribunais estaduais têm seguido a mesma orientação.
Normas municipais que asseguram a segregação
Esse entendimento já foi incorporado às legislações municipais de importantes capitais:
* Salvador (BA) – Lei nº 7.186/2006, art. 91: exclui da base os gastos com produção externa, desde que comprovados por nota fiscal em nome do cliente e aos cuidados da agência.
* São Paulo (SP) – Decreto nº 53.151/2012, art. 47-A: prevê a exclusão dos valores efetivamente prestados por terceiros, mesmo que a fatura seja emitida aos cuidados da agência.
* Brasília (DF) – LC nº 4/1994 e Decreto nº 25.508/2005: determinam a exclusão da aquisição de bens e serviços de terceiros da base de cálculo.
* Fortaleza (CE) – LC nº 159/2013: prevê exclusão de valores de materiais e serviços de terceiros.
* Recife (PE) – Lei nº 15.563/1991: exclui despesas com produção externa, pesquisas e veiculação.
Outros municípios, como Curitiba, Porto Alegre, João Pessoa e Campo Grande, já aplicam a exclusão por meio de jurisprudência e prática fiscal consolidada.
Conclusão
A base de cálculo do ISS nas agências de publicidade deve restringir-se à receita própria , isto é, aos valores que de fato remuneram a atividade desempenhada. Os repasses a terceiros, quando devidamente documentados, não podem compor a base de incidência do imposto.
Trata-se de interpretação em plena consonância com a legislação federal, com a jurisprudência dos tribunais superiores e com a prática já consolidada em diversos municípios brasileiros.
Mais do que uma questão tributária, o tema envolve a sustentabilidade do mercado publicitário e a preservação do equilíbrio econômico das agências. O reconhecimento da segregação da base de cálculo garante segurança jurídica, transparência fiscal e justiça tributária , fortalecendo todo o ecossistema da comunicação.