O que o ovo mais curtido da história pode nos dizer sobre Marketing Digital e como foi parar no Super Bowl
Por Magno Santana, Diretor Secretário do Sinapro-Bahia e Sócio-Diretor da Criante Comunicação
No dia 4 de janeiro de 2019, a primeira de única postagem de uma conta do Instagram chamada “@world_record_egg” trazia uma imagem banal de um ovo e o texto “Vamos bater o record mundial juntos e conseguir o post mais curtido do Instagram”, em tradução livre.
Em apenas 10 dias tinha 25 milhões de likes e realmente se tornou a postagem mais curtida no Instagram da história.
O ovo ultrapassou a postagem até então recordista de Kylie Jenner, celebridade de reality show americana, que tinha 18 milhões de curtidas, onde aparecia a mão de sua filha recém-nascida segurando seu polegar.
Obra do acaso ou estratégia meticulosamente planejada de Marketing Digital?
O autor da postagem fenomenal é desconhecido e foi contatado pelo portal de notícias britânico INDEPENDENCE, através de pseudônimo Eugene the egg, disse viver em Londres e informou não compreender como o post viralizou tão rápido e que ainda está tentando lidar com isso.
Ele alega ter feito um experimento com a intenção de bater um recorde com algo que fosse o mais básico possível.
Outra colocação intrigante é que ele afirma ter escolhido o ovo como provocação em relação a fragilidade do culto às celebridades e como ela é facilmente “quebrável” e como seria divertido se algo tão simples como um ovo conseguisse esse resultado.
Alguns milhões de likes e 9,4 milhões de seguidores depois, o ovo se tornou um fenômeno midiático e passou a valer muito dinheiro. Especialistas em marketing digital estimar que, para ser a primeira a quebrar o ovo, a empresa interessada teria que desembolsar algo em torno de 10 milhões de dólares! Outros especialistas do mercado não acreditam que as cifras tenham chegado tão algo.
A iniciativa do ovo passou a ser reivindicado por alguns famosos do marketing e da mídia que foram posteriormente desmentidos, também foi clonado por outras contas para gerar tráfego, incontáveis memes e até campanhas de oportunidade foram criadas em cima do fato.
Até que uma controversa agência de mídias sociais chamada Jerry Media parece ter entrado no circuito para capitalizar em cima do fenômeno e iniciou contatos com possíveis interessados. Empresas, movimentos sociais e até políticos, foram abordados.
Uma corrida de grandes proporções para se tornar o primeiro a gerar receita com a conta começou a acontecer nos bastidores do mercado de comunicação.
Desfecho finalmente revelado
Com 52 milhões de curtidas no momento em que escrevi este artigo, o ovo é agora a estrela de uma campanha milionária: um comercial do Super Bowl 2019 para o Hulu, platafora de streaming concorrente ao Netflix nos Estados Unidos. Algumas postagens sucessivas mostram o ovo se rachando gradativamente até que apareceu o encordoamento típico de uma bola de futebol americano.
Vamos às considerações:
Foi acaso ou plano intencional?
Isso realmente não importa se compreendermos que seria impossível para quaqluer gênio dos algorítimos antecipar o que iria acontecer. Nenhuma ação promocional foi realizada, a conta do Instagram não tinha nenhuma base de seguidores, nenhum caso anteriormente registrado sinalizava um caminho de sucesso para a iniciativa.
Todas as possibilidades estavam abertas. A postagem poderia ser absolutamente ignorada, ter uma adesão insigificante, ter uma adesão mediana ou mesmo uma adesão expressiva mas, convenhamos, se tornar a postagem mais curtida da história? Come on!
Quantos casos semelhantes foram registrados?
Se algo parecido já tivesse acontecido, poderíamos aceitar a ideia de um aperfeiçoamento da estratégia. Mas não há precedentes.
A postagem recordista anterior tem quase três vezes menos likes e nenhuma correlação com a postagem do ovo. Não há semelhnça estética, conceitual, de conteúdo nem de interação.
Chega a ser constrangedor que um singelo post com as mãos de mãe e filha tenha sido tão fragorosamente superado por um ovo!
Os algorítimos ainda não são páreo para a insanidade humana.
Muito provável que qualquer ferramente de análise de dados, análise de tendências, análise de palavras-chave, AI, etc., pudesse prover insights para antecipar este episódio.
A questão é que as variáveis são muitas, o volume de dados ainda é muito grande e nem tudo é “trackeado” ainda. Há também a sutileza semântica de algumas informações que sao difíceis de detectar, interpretar e registrar, sem falar de acontecimentos randômicos, ocasionais e imprevistos, que podem influenciar na direção tomada por um acontecimento.
Em resumo, não é possível prever e antecipar tudo, por mais que alguns Techo-evangelistas tentem convencer do contrário.
A força do efeito manada.
Todo planejamento é baseado em algum raciocínio lógico e pautado em premissas minimamente razoáveis. Porém, a natureza da psique humana é cheia de facetas pouco conhecidas e surpreendentes. As motivações que podem promover uma viralização destas proporções são muito difíceis de serem antecipadas pois fogem do pragmatismo do planejamento e de forma recorrente surpreendem a todos os analistas.
O fenômeno das redes sociais têm seu desfecho na TV!
Curioso é que a capitalização final do fenômeno ovo que surgiu na internet se dá em uma transmissão de TV, o SUPER BOWL. É fato que aproveitar essa oportunidade é para poucos e grandes anunciantes, mas sinaliza claramente que se sua marca tem maior poder de fogo, deve usá-lo de forma a se destacar da concorrência.
Não é inteligente nivelar-se por baixo, pois assim ninguém se destacará e chegaremos a uma corrida onde todos empatam e os menores acabam saindo vencedores pois rivalizaram com empresas muito maiores que eles. Entender onde cada formato midiático pode contribuir no processo de comunicação e geração de resultados. Crenças limitantes de que esta ou aquela forma de comunicação não funciona ou está ultrapassada pode gerar enormes prejuízos e perda de excelentes oportunidades. É preciso ter maturidade e conhecimento para aproveitar tudo que tem real potencial de resultado. Afinal é o resultado que importa.
Neste momento, preconceitos juvenis que consideram mídias consagradas como obsoletas e ineficientes mais atrapalham que ajudam no planejamento e tomada de decisões. Estimar o valor de uma ideia criativa é muito difícil. Achar que tudo no digital é barato um equívoco. Até onde uma ideia pode chegar? Qual o poder de influenciar de uma ideia? Que repercussões ela pode ter? Qual o valor de uma ideia criativa e como definir se ela é criativa ou não? Apesar dos esforços, essas e muitas perguntas persistem sem respostas satisfatórias e no final, trabalha-se com percepções e subjetividade.
Uma “audiência” de mais de 50 milhões de likes vale quanto? Parece haver consenso de que vale muito. Afinal a oportunidade do ovo valia ou não supostos 10 milhões de dólares? A HULU foi equivocada ou genial em arriscar essa oportunidade?
O fato é que métricas ajudam em muitos aspectos, mas não são suficientes para mensurar e valorar tudo. Reduzir uma ideia a métricas pode ser ameaçá-la de morte prematura e impedi-la de atingir seu pleno potencial. Quantas boas ideias geraram coisas incríveis sem ter sido submetidas a análises matemáticas frias e incompletas? E quantas deixaram de acontecer por paralisia de análise?
Se fossem ga-ran-ti-a de acerto, as métricas teriam salvado, por exemplo, a rede social G+ do Google (Oficialmente descontinuada nos últimos dias), detentor de uma das maiores bases de dados do mundo, criador do maior portal de buscas, desenvolvedor de algumas das mais importantes ferramentas de marketing digital existentes, um dos líderes em infraestrutura de cloud computing, tecnologias de Inteligência Artificial e por tudo isso proprietário de alguns dos mais avançados e poderosos algoritmos do planeta. Tudo isso deveria torna-los infalíveis, não é?
Conclusões
Na arena do marketing e da comunicação ainda há muito espaço para o inovador, inesperado, criativo, inusitado e imprevisto.
Eu trabalho com Marketing Digital e acredito nas incríveis possibilidades que a tecnologia e as inúmeras ferramentas nos oferecem como os benefícios de medir, monitorar e analisar dados com vistas a aperfeiçoar estratégias e ações. Mas tenho alertado incessantemente para o empobrecimento criativo do marketing e da comunicação que nivela a todos por baixo, “comoditiza” as campanhas em padrões repetitivos e previsíveis, achata orçamentos pela decisão excessivamente centrada em planilhas, sufoca a ousadia no conforto da parametrização de todas as iniciativas exaltando o perfil tecnicista e oprimindo a imaginação, inquietação criativa e disposição para o risco.
Neste ambiente viciado muitas possibilidades de campanhas incríveis são sufocadas, engavetadas e mortas sem que nunca tenham a oportunidade de ser testadas.
No mercado Brasileiro, a situação não é fácil mas há honrosas exceções a esse raciocínio, porém quando nos voltamos para os mercados regionais menores essa realidade algumas vezes chega a situações deprimentes e retrocessos históricos que prejudicam a toda a cadeia produtiva. Perdem agências, veículos, fornecedores e anunciantes e em última instância perde o consumidor por receber uma sopa insossa de comunicação clichê e sem inspiração.
Entendendo que estão mudando as plataformas e processos, mas que os fundamentos e as expectativas do público são os mesmos. Deve-se esperar tecnologia como parte essencial do pacote, mas pagar principalmente por estratégia, criatividade, conhecimento de mercado, experiência, senso de oportunidade e ousadia.
Portanto, marketing digital não é tudo igual e saber a diferença pode ser decisivo para colocar sua empresa, marca, produto ou serviço acima da vala comum. No SUPER BOWL essa história terá seu grand finale concluindo como um belo omelete midiático mais um episódio do agitado cenário da comunicação e marketing.
ATUALIZAÇÃO:
O desfecho dessa história foi tão inusitado e surpreendente quanto o sucesso do ovo. HULU publicou um clip de 30 segundos no domingo (03/02/2019) após o Super Bowl explicando o propósito da sensação da mídia social. Veja aqui:
Tratava-se de uma campanha de uma ONG dedicada a saúde mental.
No filme uma animação simples mostra o ovo se quebrando por que foi atingido pela pressão das Redes Sociais e termina fazendo o convite: “Se você está com dificuldades, converse com alguém.” A organização, através de um Tweet convida as pessoas na luta contra as doenças mentais informando que 1 em cada 5 americanos estão vivendo com algum problema relacionado a saúde mental.